Por Garrettimus
Você já xingou ao ler determinada legenda na qual traduziram silício como silicone? Já? Já pensou na mãe do tradutor na vez em que certa legenda apareceu pequenininha, ao passo que o personagem falou um caminhão de coisas? É mesmo? E nas ocasiões em que, na dublagem, o fulano mexe os lábios e o sincronismo da fala está totalmente diferente? Hein?
Pois bem, antes de xingar o próximo tradutor, caro leitor d´A ARCA, leia este especial e descubra essa difícil arte de traduzir filmes para legendagem e dublagem. A coisa não é fácil e requer muita, mas muita dedicação e conhecimento. Pare de reclamar, por conseguinte, e veja o porquê desse trabalho requerer tanto dos profissionais do ramo.
TRABALHO ESPECIALIZADO:
O trabalho de tradutor sempre foi algo difícil. Difícil, trabalhoso e em cuja dedicação está o ponto principal. A tradução de filmes, uma das especializações da profissão, requer, além do pleno conhecimento de ambos os idiomas (origem e destino), bagagens cultural, cinematográfica e televisiva prévias. Não raro acontece do profissional precisar adaptar uma piada, uma situação ímpar e até mesmo uma expressão para que haja sentido em determinada cena. Trata-se de uma atividade freelance e solitária, na qual homem e máquina – videocassete, microcomputador, fones de ouvido – devem se integrar corretamente, madrugada adentro, a fim de que no fim das contas não haja a L.E.R. (famosa Tendinite).
A TRADUÇÃO PARA LEGENDAGEM:
A chave da tradução para legendagem é a síntese. Exato. O tradutor precisa saber sintetizar, acima de tudo, para poder proporcionar legendas de qualidade ao espectador, ao mesmo tempo em que esse precisa “levantar os olhos” da legenda para também ver as imagens. Se houver informação de mais, a pessoa não tem tempo de ver o quanto gostaria, apenas de ler. Se houver informação de menos, o espectador pode não compreender corretamente um diálogo importante do filme. E isso porque existe um limite de caracteres imposto pelos softwares profissionais de legendagem, quase como um padrão.
Legendagem: trabalho árduo, mas artístico (Profa. Ercília):
De fato, espectadores xingando tradutores é algo muito comum. As pessoas geralmente acham que, se elas traduzissem aquele filme, colocariam “bem mais coisa” no diálogo entre o mocinho e a mocinha, não é? Então, leitor, saiba que os tais softwares, como o Systimes, permitem a inserção de apenas trinta caracteres (contando-se espaços e pontos) dispostos em míseras duas linhas de texto. Será mesmo que aquele diálogo do mocinho e da mocinha aceitaria bem mais palavras do que você leu?
O primeiro passo do tradutor é assistir à produção (quer seja filme, seriado, desenho ou documentário), de cabo a rabo, e marcar – no script fornecido pelo estúdio – as possíveis divisões das legendas, baseando-se nas pausas das falas dos personagens e tendo em mente a limitação dos caracteres. Nalguns casos - a grande minoria - inexiste o script, fato que se mostra uma dificuldade extra para o profissional, porque precisa se valer do próprio ouvido a fim de compreender os diálogos. Uma vez divididas as prováveis legendas, o tradutor, então, vai para o computador e começa a tradução propriamente dita. A coisa, óbvio, não é tão simples, uma vez que se deve levar em conta a ambientação da produção que será traduzida: é um filme de época? É um filme regional? É um filme no qual se usa gírias de mais? A tradução precisa ser baseada na linguagem original da obra, a qual, em muitos dos casos, pode não ser nada simples – desde complexos diálogos Shakespeareanos até gírias australianas “intraduzíveis” ao Português.
Já viram o tamanho da bomba? Calma, porque tem mais! O tradutor precisa se concentrar nos diálogos, respeitar o tempo no qual as falas são originalmente proferidas e sempre ter em mente a necessidade de sintetizar o quê de mais importante houver ali: o relevante. É impossível, para um tradutor de legendas, colocar o conteúdo total de uma fala grande numa legenda, pois, conforme explicamos no início, o público precisa ter tempo – ainda – de assistir ao filme. Quanto à síntese, isso cabe ao feeling de cada pessoa; não pode ser ensinado. É necessário conhecer gírias, estar atualizado com as inúmeras expressões idiomáticas, evitar falsos cognatos (silicon não é silício, actually não é atualmente, coroner não é coronel, e por aí vai) e conhecer o universo da chamada cultura pop: seriados, filmes, quadrinhos, música, etc. etc.
Feita a tradução, o profissional – quando iniciante – importa as legendas para o software que citamos, começando a marcar o tempo de entrada e o tempo de saída de cada legenda. Imaginem, caros leitores, um filme de uma hora e meia de duração, a quantidade de legendas que proporciona! Nessa etapa, o tradutor pode ter a “agradável” surpresa de constatar que aquele diálogo, lindo e perfeito, não “encaixa” numa determinada fala. Esse probleminha de última hora pode acontecer porque os programas calculam automaticamente a quantidade de caracteres e sabem, de antemão, quando uma fala não cabe em um determinado espaço de tempo da legenda. Um sinal vermelho, irritante, aparece na tela do monitor e indica que aquela “preciosidade” criada pelo tradutor precisa ser refeita, diminuída até que “encaixe”. Ainda acha que traduzir é fácil, caro leitor?
Com o passar do tempo e com muita experiência, o profissional descarta o uso do software, como apoio, e passa a saber, já no momento da tradução, se determinada fala “cabe” numa legenda. Esse mecanismo, verdade, se torna algo automático na cabeça do tradutor!
Constatem os possíveis problemas da tradução para legendas:
- Se um linguajar diferente for utilizado, a obra fica descaracterizada. Imaginem Romeu ao dizer: “- Ô, Julieta, chega mais porque quero dar um cheiro no teu cangote, pitchuka”. Sem comentários.
- Se a divisão das legendas for desrespeitada, os diálogos “atropelam” uns aos outros e a coisa toda fica sem sentido.
- Se o tradutor colocar informação de mais na legenda, o espectador passa o filme todo a ler e não vê nada.
- Se o tradutor omitir detalhes de um diálogo, a película – conforme o andamento – fica sem sentido.
- Se palavras forem mal traduzidas, toda graça de uma cena vai por água abaixo.
Um último detalhe interessante sobre a legendagem: ao contrário do que devem estar pensando, leitores, não é o tradutor quem insere e cronometra cada legenda de um filme, mas outro profissional: o marcador. Em São Paulo, principalmente, é essa pessoa a responsável por importar o texto - entregue pelo tradutor - para o software de legendagem e, por conseguinte, fazer a marcação (eis o porquê do nome) de cada uma das milhares de legendas de uma película.
Outra coisa interessante, isso muita gente desconhece, é que os tradutores, na maioria dos casos, não batizam os filmes no Brasil. É verdade, não sabia? Os tradutores, sim, dão duas ou três sugestões de títulos para uma determinada produção, mas quase sempre é o pessoal de marketing dos estúdios quem “inventa” os nomes. Parem, portanto, de xingar os tradutores por causa de títulos esdrúxulos!
Curiosidade: filmes eróticos e pornográficos também são traduzidos e legendados! Sabia? Acredite se quiser...
A fim de fechar este tema, saibam, leitores, que, mesmo com todos esses detalhes e mandamentos na cabeça do tradutor, os estúdios geralmente dão um prazo de 3 a 5 dias corridos para que um filme seja todo traduzido, digitado e entregue? É totalmente comum e normal o fato de tradutores passarem madrugadas em serviço.
Deixem suas opiniões.
Fonte: http://www.cinemaemcena.com.br/forum/forum_posts.asp?TID=13163
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