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terça-feira, 9 de março de 2010

Tradução para legendagem: Considerações

Por Leonardo Teixeira

Muitas críticas se fazem às traduções para legendagem no Brasil e, por conseguinte, ao profissional dedicado a esse ramo. Discussões à parte, a verdade é que, com o advento da TV a cabo e do DVD − que traz legendas em vários idiomas, diferentemente das fitas VHS −, o mercado de tradução para legendagem vem requisitando cada vez mais profissionais qualificados. Dentro da própria classe, há mitos sobre a qualificação necessária e a remuneração praticada pelo mercado. Desses mitos podem advir as críticas às vezes desarrazoadas que comumente se ouvem.
O primeiro passo para se entender o processo de tradução para legendagem reside na observância de que o tempo necessário para a leitura de uma legenda é bem maior que o tempo usado para a fala que corresponde àquele texto. Assim, por diversas vezes, é impossível traduzir na íntegra o que é dito, devendo-se realizar adaptações ou sínteses, que, para os conhecedores do idioma original, podem parecer verdadeiros assassinatos da mensagem.
Outra explicação para a necessidade de adaptação se dá pela própria natureza do texto legendado. Diferentemente de outros formatos de texto escrito, não há como retroceder a leitura para uma tentativa de se entender melhor o que foi dito (pode-se voltar ao início de um parágrafo de um texto impresso, mas não se pode fazê-lo ao assistir a um filme na TV ou no cinema). Trabalha-se com um tipo de texto que requer compreensão imediata, sob pena de ficar o espectador sem captar a comunicação realizada entre as personagens. A boa legenda constitui uma forma de leitura que não desvie a atenção do espectador do filme, senão passará ele a maior parte do tempo tentando decodificar o que se pretendeu dizer, tirando-lhe o prazer de assistir a um produto feito, no caso da TV, do cinema e do DVD, precipuamente para entretenimento. Isso não significa − é bom ressaltar − que a ordem seja alterar o que se diz para tornar a mensagem mais simples. Bem pelo contrário, deve-se procurar aliar precisão da informação, adequação de texto ao tempo de leitura, boa apresentação estética da legenda e estilo coerente com a fala original. Assim, um bom tradutor para legendas se encontra naquele que soma essas qualificações a um extenso domínio das possibilidades expressivas da língua para a qual traduz.
O processo de tradução para legendagem traz ainda outras particularidades. Ao se traduzir um livro, por exemplo, trabalha-se com um texto-base escrito que vai se transformar em um outro texto escrito, podendo haver, dependendo do caso, as elucidativas "notas do tradutor". No caso da legenda, o material-base normalmente é falado, caracterizado por elipses, anacolutos, hesitações e traços emotivos e gestuais, sempre presentes, configurando intenções paralelas ao que é efetivamente dito. Daí se afirmar que a legenda não deve ser produzida seguindo somente o roteiro que acompanha o material-imagem, pois sem dúvida acaba-se realizando um tipo de texto que pouco combina com a cena em que ele se insere. As intenções da fala se perdem, e a legenda mais incomoda que elucida. Entende-se que a legenda não é a tradução só do texto, mas também dessa imagem, sempre carregada de muita informação. Ritmo de fala e pausas retóricas têm de ser levadas em consideração (não se pode ter uma legenda exposta muito tempo na tela se a imagem é montada com a estética frenética de cortes de um videoclipe, assim como não se pode trabalhar com legendas curtas e rápidas em excesso se elas traduzem a fala pausada e calma de um entrevistado com imagem captada por uma câmera fixa). Entretanto, nem sempre ocorre a possibilidade de aliar imagem e legenda, o que, inevitavelmente, vai gerar um resultado errôneo e desarmônico, como muitas vezes ocorre no cinema. É comum, na tradução para legendas de tela grande, se trabalhar com o roteiro sem a imagem, o que pode causar ao tradutor situações de grande desconforto. Imagine uma fala solta em um roteiro: "Where are the glasses?" O tradutor terá de optar, sem identificar o contexto, por se tratar de uma fala solta, entre "óculos" e "copos", e, seguindo a lei de Murphy, certamente optará equivocadamente. Quando há possibilidade de se acompanhar a inserção das legendas na película ou averiguar antecipadamente a cena, o conflito se resolve, mas nem sempre isso ocorre. Ainda há os casos de filmes acompanhados por roteiro em língua diferente da língua original, o que pode produzir desastres de tradução ainda maiores. E, sem dúvida, a culpa recairá, aos olhos do público, no tradutor, como constantemente se vê em comentários sobre a legendagem de filmes para o cinema, principalmente em festivais, quando a película chega, normalmente, em cima da hora de exibição.
Em se tratando de material ficcional, como filmes, seriados, não se pode perder de vista que cada personagem tem um jeito peculiar de falar, com competência lingüística diferente e universo lexical apropriado à sua caracterização. O bom tradutor jamais esquecerá esses traços, e deverá, para evitar a "pasteurização" de todas as falas, marcar estilisticamente em seu texto essa diversidade. Nesse sentido, a tradução para legendas em muito se aproxima da tradução literária.
Por último, o tradutor para legendas não pode perder de vista o caráter educativo que o seu texto apresenta. Reconhecendo que muitas pessoas só lêem diariamente o texto que se lhes oferece via legendas, não se podem arraigar, como modelos, estruturas lingüísticas problemáticas. Deve-se encontrar, sempre, um equilíbrio entre a manutenção do coloquialismo por vezes exigido pelo material a ser traduzido e a competência discursiva do texto, tarefa a que os teóricos da legendagem exaustivamente se dedicam e que vem garantindo melhor produto final aos espectadores, merecedores da qualidade buscada com todo o processo.
A expansão do mercado de legendagem vem ocorrendo já há dez anos, e hoje já se faz, no Brasil, tradução para vários clientes internacionais, como realiza a Drei Marc, com sede no Rio de Janeiro. Entretanto, ainda há poucos profissionais qualificados no mercado, dada a grande especificidade do trabalho, pois o tradutor deve apresentar, além de todas as competências já citadas, conhecimento do uso dos softwares necessários à formatação da legenda. Apesar disso, não é longo o período de investimento: normalmente de três a quatro meses de curso e treinamento, e mais três ou quatro meses, já trabalhando, para que o tradutor ganhe velocidade e prática em todo o processo, o que lhe garantirá uma remuneração adequada na proporção tempo trabalhado / remuneração percebida.
Apesar do preconceito que ainda existe entre alguns tradutores em relação ao trabalho para legendagem, o investimento em formação e pesquisa, aliado à seriedade com que a tradução para legenda vem sendo realizada, constitui fator evidente de mudança dessa ótica. As produções acadêmicas que começam a ser realizadas são outra prova da necessidade de se entender melhor esse ramo da tradução que alcança diariamente milhões de lares brasileiros. Uma natureza de trabalho que abarca dos longas-metragens aos documentários, dos institucionais aos clipes de música, dos pornôs aos programas jornalísticos, dos seriados aos programas educativos, não pode deixar de ser compreendida como possuidora de regras particularíssimas, que se constroem e se renovam constantemente, a partir não só dos erros e acertos, mas, principalmente, da contribuição do receptor final desse produto elaborado: o espectador.

Sobre o autor deste artigo:
Leonardo Teixeira é Doutor em Letras pela PUC-RJ, tradutor e copidesque de legendagem, professor da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e da Fundação Getúlio Vargas, diretor e professor do curso Letera Arte e Cultura.

Em outubro de 2002 Leonardo escreveu: "O que precisa ficar bem claro é que os problemas de prazos, remuneração, qualidade são exatamente os mesmos que tradutores de outras áreas enfrentam. Portanto, as queixas do tradutor de filmes são as mesmas dos tradutores de outras áreas, inclusive as que se referem a pessoas sem formação ou, nesse caso, sem conhecimento técnico adequado, que participam do mercado e produzem traduções de baixa qualidade com erros que acabam se refletindo desfavoravelmente em toda a classe".


Fonte: http://abrates.com.br/abreartigo.asp?onde=TRADU%C7%C3O%20PARA%20LEGENDAGEM%20CONSIDERA%C7%D5ES.abr

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de um artigo sobre os legendistas amadores e o que você acha a respeito, tanto os grupos mais sérios que seguem várias regras de legendagens, como os legendistas individuais e grupos com legendas menos metódicas.

Marco Azevedo disse...

A proposta é muito interessante e há muito a se escrever sobre este contraste. Pelas análises que fiz, vi que os grupos amadores (fansubs) apresentam uma qualidade de legenda aceitável, considerando-se que muitas vezes a legenda é feita do dia para a noite por meio da divisão dos tempos dos vídeos entre os vários membros do grupo. Já os legendistas profissionais também sentem o peso dos prazos apertados, tornando compreensível o fato de evidenciarmos muitas vezes erros nas legendas feitas para canais fechados. Se quiser ler um material disponível sobre estes grupos, seguem abaixo os links:

http://oglobo.globo.com/cultura/mercado-comeca-ver-com-bons-olhos-equipes-de-fas-que-legendam-series-na-internet-3012204

http://teleseries.uol.com.br/legendadores-eles-estao-por-tras-dos-caracteres-que-aparecem-no-video/

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